Arcano 10 – A Roda da Fortuna: O Giro Incessante do Destino no TarotAproximadamente 6 min de leitura

No grande teatro da existência, onde os cenários mudam sem aviso e os atos se sucedem em ritmo próprio, uma imagem poderosa emerge do baralho de Tarot para nos lembrar da natureza cíclica de tudo. A Roda da Fortuna, décimo Arcano Maior, esta carta não chega com a promessa fácil de riquezas materiais, embora seu nome possa sugerir, sua mensagem é mais profunda, mais antiga, ecoando o giro incessante do próprio universo e o fluxo constante das marés da vida.
Imagine, por um instante, uma roda imensa suspensa no cosmos, girando sem parar. Ela não é movida por mãos humanas visíveis, mas por uma força maior, talvez o próprio Destino, ou as leis de causa e efeito que tecem a realidade. Esta é a Roda da Fortuna, o símbolo central deste arcano. Ela representa o movimento perpétuo, os ciclos de altos e baixos, de começos e fins, que marcam nossa jornada. Como as estações do ano ou o ciclo do dia e da noite, a Roda nos ensina que nada permanece estático. O que está em cima, eventualmente descerá, e o que está embaixo, terá sua chance de ascender.
Observe as figuras que se agarram a esta Roda, especialmente na rica iconografia do Tarot de Rider-Waite, no topo, equilibrando-se com a dignidade enigmática de quem compreende os mistérios, repousa uma Esfinge, coroada, muitas vezes segurando uma espada, ela simboliza a sabedoria, o equilíbrio alcançado em meio à turbulência, o ponto de estabilidade momentânea no ápice do ciclo. Ela parece nos dizer que, mesmo na mudança, existe um centro, uma compreensão a ser buscada. Descendo pela Roda, vemos uma figura serpentina, associada a Tifão ou Set, representando as forças descendentes, a matéria, talvez a tentação ou o aspecto mais instintivo da existência que nos puxa para baixo. Em contrapartida, subindo com esforço, encontramos uma figura com cabeça de chacal, remetendo a Anúbis, o guia das almas egípcio, simbolizando a inteligência, o esforço evolutivo, a busca por ascender através da compreensão e do trabalho interior.
No Tarot de Marselha, mais antigo, as figuras são mais animalescas, híbridas, reforçando a ideia de forças instintivas e destinos que transcendem o puramente humano, presas ao giro da Roda, subindo, reinando brevemente no topo e inevitavelmente descendo.
Mas a cena não se limita à Roda. Nos quatro cantos da carta (no baralho Rider-Waite), flutuando em nuvens que denotam um plano superior, encontramos quatro seres alados: um Anjo (associado a Aquário e ao elemento Ar), uma Águia (Escorpião e Água), um Leão (Leão e Fogo) e um Touro (Touro e Terra). Estas são as criaturas tetramórficas vistas em visões proféticas, representando os quatro evangelistas, os quatro elementos constitutivos do universo e os quatro signos fixos do zodíaco. Eles observam o giro da Roda, estáveis em meio à mudança, cada um segurando um livro – talvez a Torá, ou o livro da vida – simbolizando a sabedoria eterna e as leis universais que governam os ciclos representados pela Roda. Eles nos lembram que, por trás do aparente caos das mudanças, existe uma ordem cósmica.
A própria Roda, no baralho Waite, está repleta de símbolos. Nela, podemos encontrar as letras hebraicas Yod-Heh-Vav-Heh, o Tetragrammaton, o nome impronunciável de Deus, sugerindo a presença divina no movimento do destino. Intercaladas, as letras T-A-R-O, que podem ser rearranjadas para formar ROTA (roda em latim), ou mesmo ATOR (referência a Hathor, deusa egípcia ligada ao destino), ou ORAT (falar, em latim), indicando a natureza oracular da carta. Símbolos alquímicos representando os elementos primordiais (mercúrio, enxofre, sal, água) também podem estar presentes, indicando a transformação constante que ocorre na matéria e no espírito.
Qual, então, a mensagem essencial que A Roda da Fortuna nos traz?
Acima de tudo, é um chamado à aceitação da impermanência. Ela nos convida a reconhecer que a vida é feita de ciclos, e que resistir às mudanças inevitáveis é como tentar parar o giro do próprio mundo, uma fonte certa de sofrimento. Se estamos passando por um momento difícil, a Roda nos oferece esperança, lembrando que nenhuma noite é eterna e que a subida eventualmente virá. Se estamos no auge, ela nos aconselha humildade e prudência, pois a descida também faz parte do ciclo natural.
Este Arcano também nos fala sobre destino e carma. Nossas ações passadas, como sementes lançadas ao vento, retornam para nós nos giros da Roda. Ela representa a colheita, o momento em que as consequências de nossas escolhas se manifestam. Isso não significa, porém, que somos meros fantoches do destino. A Roda gira, mas a forma como reagimos aos seus movimentos, a sabedoria que extraímos das subidas e descidas, ainda está em nossas mãos. Ela nos alerta para não cairmos na armadilha de culpar a “má sorte” por tudo, nem de dependermos exclusivamente de um golpe de fortuna. A verdadeira sorte, talvez, resida na nossa capacidade de adaptação, na flexibilidade para navegar as ondas da mudança e na prontidão para reconhecer e agarrar as oportunidades que cada novo giro pode trazer.
Contudo, como toda luz projeta sombra, a Roda da Fortuna também carrega seus avisos. A instabilidade pode se tornar vertiginosa se não encontrarmos um centro interior. A sensação de que forças externas controlam nossa vida pode levar à passividade ou ao ressentimento. A resistência teimosa à mudança pode nos deixar estagnados, presos a um ponto da Roda que já deveria ter ficado para trás. O desafio é aprender a dançar conforme a música do universo, mantendo nosso equilíbrio interior mesmo quando o chão parece se mover sob nossos pés.
Assim, quando A Roda da Fortuna surge em nosso caminho, ela é um poderoso lembrete da dinâmica incessante da vida. Ela nos encoraja a abraçar a mudança, a confiar no fluxo maior, a aprender com cada fase do ciclo e a buscar a sabedoria não na permanência, mas na própria dança da transformação.
É o universo nos dizendo: “Tudo passa, tudo muda, tudo gira. Aprenda a girar com sabedoria”.
* Para ler sobre a jornada do Louco no Tarot clique aqui.