SarasvatiAproximadamente 3 min de leitura

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Na antiga tradição indiana Sarasvati, esposa de Brahma, é reverenciada como a deusa do conhecimento da sabedoria das artes e da palavra. Seu nome vem da raiz “saras” que significa fluxo corrente, aquilo que flui uma referência direta ao rio que originalmente levava seu nome, mas também ao fluxo do saber e da inspiração que ela representa. Em sânscrito Sarasvat também pode ser traduzido como aquela que é cheia de água, o que reforça sua ligação com a fluidez da mente, da fala e da criação.

Sarasvati é frequentemente representada como uma figura serena sentada sobre um lótus branco ou montada num cisne ou numa garça segurando um instrumento musical chamado vina. À sua volta livros rosários e potes de água sagrada completam o cenário simbólico. Nada aqui é por acaso.

O cisne é um símbolo tradicional da sabedoria discriminativa a capacidade de separar o eterno do passageiro, o real do ilusório. Diz-se que o cisne é capaz de separar o leite da água quando ambos estão misturados, metáfora clara para o discernimento que o verdadeiro conhecimento exige. Já o lótus branco simboliza a pureza, a mente desperta e a elevação espiritual. É no lótus, símbolo universal do despertar da consciência, que Sarasvati repousa, como quem nos ensina que o saber verdadeiro nasce da pureza do espírito.

A vina representa a música e por extensão a harmonia do universo. Na tradição védica, som e criação, estão intimamente ligados, o mundo, dizem os Vedas, nasceu do som primordial Om. Ao tocar sua vina, Sarasvati não apenas expressa arte, ela ordena o cosmos. O saber que ela transmite é ritmo, é medida, é beleza. É matemática e é poesia.

O rosário ou mala que às vezes ela segura é símbolo de meditação e concentração, qualidades essenciais para o aprendizado profundo. Já os livros são o testemunho da transmissão do conhecimento, não apenas o saber escolar, mas o saber eterno que se comunica de geração em geração, oral ou escrito, revelado ou descoberto. O vaso de água por sua vez lembra a fertilidade das ideias, o renascimento das consciências e a necessidade de purificação interior para que o saber floresça.

Em muitos dicionários simbólicos Sarasvati aparece como uma manifestação do logos, a palavra sagrada, o verbo criador. Assim como em outras culturas a palavra tem poder de formar ou destruir mundos, vide Ísis no Egito, Sophia no gnosticismo ou mesmo o Espírito Santo no cristianismo. Sarasvati é a guardiã da palavra que edifica, que revela, que transforma. Seu culto é também o culto da fala verdadeira, da escuta atenta e do silêncio fértil.

Enquanto Lakshmi representa a abundância e Parvati o poder e a fertilidade, Sarasvati reina sobre o território sutil do pensamento e da criatividade. Ela é invocada por estudantes, músicos, escritores e sábios. Mas seu conhecimento não se resume ao que se aprende nos livros, é o saber intuitivo, aquele que emerge quando a mente está serena livre de distrações e aberta à inspiração.

Sarasvati ensina que o conhecimento não é acumular, mas depurar. É saber ouvir. É saber calar. É tocar o mundo com delicadeza como quem toca um instrumento afinado pela alma.

Na simbologia comparada vemos ecos de Sarasvati em muitas outras tradições, Atena na Grécia, Minerva em Roma, Tara no budismo tibetano e até mesmo figuras como a Virgem Maria em sua faceta de sabedoria acolhedora. Todas falam da mesma essência, a inteligência que nutre, que cura e que guia, não com imposição, mas com luz.

Sarasvati portanto é mais que uma deusa, é um convite. Um chamado à busca do saber verdadeiro, aquele que nasce do silêncio, flui como rio e se expressa com beleza.

Valter Cichini Jr:.

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