PerséfoneAproximadamente 3 min de leitura

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Entre os muitos mitos gregos, poucos são tão carregados de simbolismo quanto o de Perséfone. Filha de Zeus e Deméter, ela habita duas realidades ao mesmo tempo, a luz da primavera e as sombras do submundo. É uma deusa que nunca pertence a um único lugar, pois sua essência é a travessia.

Perséfone representa a vida em constante movimento. Raptada por Hades e conduzida ao reino dos mortos, aceita comer os grãos de romã que a ligam ao submundo. Esse gesto, simples e silencioso, sela o destino de passar parte do ano ao lado da mãe, sobre a terra, e parte no mundo subterrâneo, ao lado do esposo sombrio. Assim, sua presença se torna um elo entre os ciclos naturais. Quando está com Deméter, os campos florescem e quando retorna a Hades, a terra mergulha no frio e na ausência.

O fruto da romã é talvez o símbolo mais conhecido de Perséfone, carregado de sementes, fala de fertilidade e abundância, mas também do pacto com a morte e com o retorno. Comer da romã é aceitar a condição humana, viver é também morrer, e morrer é apenas mudar de estado. É um lembrete de que toda transformação começa em um gesto pequeno, mas irreversível.

As flores que acompanham o mito, como o narciso, que atraiu Perséfone no momento do rapto, são imagens de juventude, encanto e fragilidade. Elas lembram que o esplendor da vida é passageiro, e que a beleza só existe porque tem fim. Ao lado disso, os campos de asfódelos, flores associadas ao além, reforçam seu papel de guia das almas e guardiã do mistério.

Em muitas representações, Perséfone surge com tochas nas mãos. São símbolos da luz que guia a travessia, tanto para os que descem ao mundo dos mortos quanto para os que procuram autoconhecimento em vida. Ela ilumina os limiares, esses lugares de mudança, onde não somos mais o que éramos, mas ainda não chegamos a ser o que seremos.

Alguns animais também se ligam a ela, como os veados, porcos, corujas e até morcegos, cada um aponta para aspectos de sua essência. O veado, pela delicadeza e pela ligação com a natureza, o porco presente em rituais agrícolas e funerários, a coruja e o morcego como sinais da noite, do silêncio e do mistério. Todos indicam que Perséfone habita regiões de passagem e limiar.

Não é por acaso que os antigos Mistérios de Elêusis1 tinham Perséfone em seu centro. Sua descida e retorno simbolizavam a promessa de vida após a morte, a renovação que vem do invisível. Ali, cada participante vivia a experiência simbólica da transformação, morrer para um estado antigo, renascer em outro.

Mais do que uma personagem mítica, Perséfone é um arquétipo que atravessa culturas e tempos. Ela fala da passagem inevitável pelas sombras da existência, mas também do retorno à luz. É a força que nos lembra de que crescer exige perder algo, que amadurecer implica atravessar invernos, que a vida só encontra plenitude quando aceita os seus contrastes.

Perséfone é a senhora dos limiares, a que guarda as portas entre mundos. Em seu mito, aprendemos que não há primavera sem inverno, nem florescimento sem silêncio. Segui-la é aprender a caminhar entre dois mundos, a superfície da vida cotidiana e as profundezas da alma.

 

1 – Os Mistérios de Elêusis foram antigos rituais realizados na cidade grega de Elêusis em honra a Deméter e Perséfone. Guardados em segredo durante séculos, celebravam os ciclos da vida, da morte e do renascimento, oferecendo aos iniciados a esperança de uma continuidade além da morte.

Valter Cichini Jr:.

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