CoraçãoAproximadamente 6 min de leitura

O coração, símbolo universal que transcende culturas e épocas, carrega em sua forma simples uma das mais ricas simbologias já criadas pelo homem. Muito antes da descoberta de sua função como bomba impulsionadora do sangue, o coração já era considerado o centro vital do ser humano, a morada da alma, o repositório dos sentimentos mais profundos e o núcleo da coragem e da razão.
A origem da representação simbólica do coração permanece envolta em mistério. Para alguns estudiosos, sua forma deriva da semelhança com a folha da hera, que na Antiguidade representava a imortalidade e o poder. Outros, como Plutarco, associam sua forma ao fruto do pessegueiro, que no Egito Antigo era dedicado aos deuses Ísis e Osíris. A palavra coração deriva do grego e do latim “cor”, ambas originárias do sânscrito “kurd”, que significa saltar, numa referência direta ao movimento pulsante do órgão.
Nas civilizações antigas, o coração ocupava posição central no entendimento do ser humano. Entre os egípcios, era o único órgão que permanecia no corpo durante o processo de mumificação, pois acreditava-se que seria necessário na vida além da morte. No julgamento dos mortos, o coração do falecido era pesado na balança de Ma’at, a deusa da verdade e da justiça, e comparado ao peso de uma pena. Para os egípcios, “sem coração” significava tanto quanto “pobre de espírito”.
Na tradição mesopotâmica, o “medo da morte se aloja no coração” e leva Gilgamesh a procurar pela erva da imortalidade. Os babilônios referiam-se ao sangue arterial como “sangue do dia” e ao sangue venoso como “sangue da noite”, numa intuição surpreendente sobre a diferença entre esses fluidos vitais.
A cultura olmeca do México produziu um dos mais antigos artefatos em forma de coração: um vaso provavelmente usado em sacrifícios humanos. Para os astecas, o coração era considerado o centro da força vital, chamado de “teyolia”. Em seus rituais religiosos, ofereciam corações humanos em sacrifícios ao deus Sol, simbolizando a renovação das colheitas e a regeneração do solo.
No pensamento grego, o coração compartilhava com o cérebro o privilégio de ser o centro principal do ser humano. Era o coração que pensava, imaginava, refletia e recordava; era nele que residiam as emoções. A escola hipocrática descrevia o coração como uma massa muscular firme, com forma semelhante a uma pirâmide. Aristóteles o descreve como tendo três cavidades, com forma arredondada e terminando em ponta.
O termo grego “kardia” (coração), os latinos “cor” (coração) e “cardo” (polo, eixo terrestre, eixo principal) compartilham o mesmo radical, evidenciando a percepção do coração como centro do homem e do mundo. Segundo a tradição egípcia, o deus primordial Ptah imaginou o universo com o seu coração e conferiu-lhe forma através de sua palavra criadora.
Com o advento do Cristianismo, o coração e seu símbolo ganharam nova dimensão. O apogeu dessa simbologia coincide com o culto ao Sagrado Coração de Jesus, ligado ao momento do calvário quando a lança do centurião romano atravessa o tórax de Cristo na cruz. Na arte cristã, o coração aparece flamejante no peito de Cristo, rodeado por uma coroa de espinhos, simbolizando o amor incondicional aos seus filhos mortais.
De modo semelhante, o Sagrado Coração de Maria representa o amor maternal e a dor da mãe pelo anseio de que os filhos sejam felizes. Ele é representado fora do peito, relembrando que Maria assumiu a maternidade de todos os homens com a morte de seu filho Jesus.
No Islã, o coração é considerado o Trono de Deus. O coração alado é o símbolo do movimento islâmico Sufi, que acredita que o coração está entre o espírito e a matéria, entre o corpo e a alma. Na Índia, o coração é símbolo da morada de Brama, a Bramapura, local onde o homem pode entrar em contato com o absoluto divino.
É fascinante observar como, em diversas culturas, uma única palavra designa a alma e o coração. Para os Caraíbas da Venezuela e das Guianas, alma e coração são expressos pelo mesmo termo. Para os Wuitotos da Colômbia, a mesma palavra é utilizada para designar coração, peito, memória e pensamento. Entre os Tucanos da Amazônia, coração, alma e pulso compartilham o mesmo significado.
Se o Ocidente moderno fez do coração a sede dos sentimentos, as civilizações tradicionais localizavam nele a inteligência e a intuição. Como bem observou Pascal, “os grandes pensamentos vêm do coração”, sugerindo que mesmo na tradição ocidental persiste a intuição de que o coração é fonte de uma sabedoria mais profunda que a mera racionalidade.
A partir da Idade Média, o coração tornou-se cada vez mais símbolo do amor, tanto religioso como profano. Um dos símbolos mais difundidos é o coração perfurado por uma seta, representando a lança jogada pelo Cupido, que faz com que as pessoas atingidas no coração se apaixonem. Esse símbolo transmite a ideia de que, embora a paixão seja um sentimento bom, também faz sofrer.
A junção do coração com a âncora reflete cumplicidade e companheirismo nas relações amorosas, sugerindo um amor firme e seguro, capaz de resistir às tempestades da vida. Na era digital, os emojis de coração em diferentes cores ganharam significados específicos: o preto simboliza o luto; o amarelo, o amor puro; o verde, a inveja; o azul, a tristeza; o roxo, o amor proibido; e o rosa, um amor em crescimento.
O símbolo do coração, em sua simplicidade e universalidade, continua a exercer fascínio sobre a humanidade, transcendendo barreiras culturais, linguísticas e temporais. Do centro físico da circulação sanguínea ao centro metafísico da existência, o coração permanece como um dos mais eloquentes símbolos da condição humana, ponte entre o material e o espiritual, entre o individual e o universal, entre o efêmero e o eterno.
Seja como sede da alma, centro da coragem, morada do amor ou trono do divino, o coração continua a pulsar no imaginário coletivo da humanidade, lembrando-nos que, para além de nossa existência física, há dimensões mais profundas que nos conectam uns aos outros e ao mistério maior da vida.