HermesAproximadamente 4 min de leitura

Em meio a essa vasta tapeçaria simbólica, a figura de Hermes, o deus mensageiro da mitologia grega, surge como um dos arquétipos mais ricos e complexos, representando a essência da comunicação, da transição e da astúcia.
Hermes, conhecido como Mercúrio na mitologia romana, é uma divindade multifacetada. Ele é o arauto alado dos deuses, o intermediário entre o Olimpo, a Terra e o Submundo. Sua velocidade e agilidade, simbolizadas pelas sandálias e capacete alados (talaria e petasos), permitem que ele viaje por todos os reinos, levando e trazendo mensagens. Essa função de mensageiro vai muito além de uma simples entrega de recados, ela representa o poder da comunicação, do intercâmbio de ideias e da interpretação. É a partir de seu nome que derivam palavras como “hermenêutica”, a arte da interpretação, e “hermético”, que se refere a algo fechado e inacessível, um paradoxo que reflete a natureza dual do próprio deus.
Seu caduceu, um bastão com duas serpentes entrelaçadas, é um dos seus símbolos mais conhecidos. Embora frequentemente confundido com o bastão de Asclépio (símbolo da medicina), o caduceu de Hermes tem um significado mais abrangente. Ele representa a paz, o comércio e a união de opostos, as serpentes, em algumas interpretações, simbolizam a cura e a sabedoria. Esse artefato reflete a capacidade de Hermes de conciliar conflitos e de trazer harmonia, além de ser um emblema do comércio e da prosperidade.
No entanto, a complexidade de Hermes não se encerra em sua nobre função de mensageiro. Ele também é o deus dos ladrões e trapaceiros, um aspecto que, à primeira vista, pode parecer contraditório. Sua história de vida já começa com um ato de astúcia, recém-nascido, ele roubou o gado de Apolo. Esse lado “trapaceiro” não é puramente maligno, ele simboliza a inteligência, a sagacidade e a capacidade de contornar as regras estabelecidas. Hermes personifica a malícia criativa, o gênio que quebra padrões e encontra novos caminhos. Ele é o patrono dos que vivem à margem das convenções, sejam eles comerciantes que buscam o lucro, viajantes que se aventuram por terras desconhecidas ou ladrões que agem na sombra.
A influência de Hermes transcendeu a Grécia Antiga, na Roma, ele foi sincretizado com o deus etrusco e romano Mercúrio, ampliando seus atributos para englobar o comércio, a eloquência e as viagens. Mas é no Egito Antigo que encontramos uma das fusões mais significativas, o surgimento de Hermes Trismegisto, o “Três Vezes Grande”. Esta figura, que une o Hermes grego ao deus egípcio Thoth (divindade da escrita, da magia e da sabedoria), representa um salto do plano mitológico para o esotérico.
Hermes Trismegisto é o patrono do hermetismo, uma tradição filosófica e espiritual que aborda temas como alquimia, astrologia e teurgia. Seus ensinamentos, como os da Tábua de Esmeralda e do Corpus Hermeticum, ressaltam a busca por um conhecimento oculto e a conexão entre o microcosmo e o macrocosmo. A famosa frase “o que está em cima é como o que está embaixo” é um dos pilares dessa filosofia e remete diretamente à capacidade de Hermes de transitar entre os diferentes planos de existência.
Em outras mitologias, encontramos arquétipos que compartilham algumas das funções de Hermes, reforçando sua universalidade. No panteão nórdico, por exemplo, o deus Odin também é um guia das almas, um deus da magia e um mestre das palavras e dos segredos. Embora não sejam idênticos, ambos representam a figura do deus viajante e sábio, que detém o conhecimento e a capacidade de cruzar fronteiras.
A simbologia de Hermes continua a ressoar em nossa sociedade. O caduceu é frequentemente usado como símbolo do comércio e da comunicação, aparecendo em logos de empresas de logística, correios e até em brasões. O próprio nome “Hermes” batiza marcas de luxo, reforçando a ideia de valor, status e excelência.
Contudo, a maior herança de Hermes reside na sua representação de uma força vital, a conexão. Ele é a ponte entre as pessoas, culturas e ideias. Hermes é o símbolo da tradução, da negociação e do intercâmbio, seja ele financeiro ou intelectual. Ele nos lembra que a comunicação, em sua forma mais pura, é a chave para o entendimento mútuo, e que a sabedoria muitas vezes se esconde na fronteira entre o conhecido e o desconhecido, entre o sagrado e o profano. Assim, o deus de mil faces se mantém relevante, guiando-nos pelas complexas estradas da vida moderna com sua astúcia e velocidade.