ÍsisAproximadamente 4 min de leitura

Ísis surge originalmente no panorama religioso egípcio como a figura que restaura e perpetua a ordem sacral. No mito de Osíris, ela é a esposa que reúne e ressuscita o corpo do marido, concebendo Hórus, ato que a coloca como mãe divina, restauradora da vida e guardiã da linhagem régia. Por isso, um dos símbolos mais constantes associados a ela é o sinal do trono lembrando que Ísis, enquanto “mãe do rei”, é também símbolo da própria autoridade régia.
Alguns símbolos aparecem com especial frequência quando pensamos em Ísis, e cada um traz uma camada de sentido:
- A coroa com o hieróglifo do trono: identificação direta com sua função dinástica e materna, lembrando que o poder do faraó está, simbolicamente, ligado à mãe-deus;
- As asas, às vezes apresentadas em imagens protetoras: sinal de proteção, abraço e cura. Ísis como envoltório, que protege o morto e o vivo;
- O nó de Ísis (tyet): amuleto funerário e talismã de proteção, ligado à ideia do sangue, da vida e do cuidado feminino, frequentemente usado para assegurar a passagem segura à outra vida;
- O ankh ou cruz ansata e o sistro: o ankh refere-se à vida, já o sistro remete a celebração, rituais e poder sobre forças invisíveis. Instrumentos que acompanham ritos de renascimento e festa;
- Formas animais (vaca, ave de rapina/abutre, por vezes porca ou escorpião): imagens da fertilidade, da vigilância materna e do aspecto ambivalente do feminino, nutridor e, se necessário, feroz.
A força simbólica de Ísis ultrapassou o Egito. Com o contato greco-romano, sua imagem foi reinterpretada, associada a divindades locais e difundida por todo o Mediterrâneo. Nessa passagem, surgiram novas leituras: por exemplo, Ísis como figura universal da mãe e da natureza, ou como a deusa cuja “véu” simbolizaria o mistério a ser desvelado pela razão e pela ciência, um uso simbólico que reapareceria na arte, filosofia e até em correntes esotéricas modernas. No período helenístico1 e romano2, templos a Ísis atraíram devotos de variados estratos sociais e é nesse trânsito cultural que muitos de seus emblemas, como o culto noturno, os ritos de iniciação, o papel de protetora dos mortos, foram reinterpretados.
Nos últimos séculos, Ísis serviu como metáfora na iconografia ocidental, iluministas e esoteristas a tomaram como imagem da natureza revelada e da sabedoria anterior ao cristianismo, movimentos neopagãos e reconstruções religiosas contemporâneas a situam como figura central do culto à Deusa. A ideia de Ísis “universal”, mãe, curadora e guardiã dos mistérios, alimentou representações literárias, artísticas e espirituais que a colocam tanto como símbolo de empoderamento feminino quanto como arquétipo da capacidade de regeneração. Isso mostra a plasticidade simbólica, onde Ísis mantém núcleos de sentido (proteção, magia, maternidade), mas também pode ser adaptada para fins muito diversos.
Ísis, com seus emblemas, oferece imagens que permitem pensar a passagem (morte e renascimento), o cuidado incondicional e o poder transformador do conhecimento oculto. Para quem busca sentido hoje, ela funciona tanto como herança cultural, um arquivo de signos antigos, quanto como recurso imagético para lidar com questões de gênero, autoridade e ritual.
Ela é um símbolo complexo porque é polissêmico, mãe e maga, protetora e detentora de mistérios, figura do trono e do amuleto. Seus sinais, do trono ao tyet, das asas ao sistro, são ferramentas narrativas que permitem a diferentes culturas contar, de modos próprios, histórias sobre a origem, a proteção e a transformação. Ler Ísis hoje é aproveitar uma biblioteca simbólica que nos ajuda a pensar o poder do feminino, a ritualidade da cura e a eterna busca humana por meios de atravessar o desconhecido.
1 – Período helenístico: refere-se à era que se inicia após a morte de Alexandre, o Grande (323 a.C.), e se estende até a conquista romana do Egito (31 a.C.). Foi um tempo de intensa troca cultural entre o mundo grego e o Oriente, em que religiões, filosofias e símbolos se misturaram, permitindo que divindades como Ísis fossem reinterpretadas e difundidas por todo o Mediterrâneo.
2 – Período romano: corresponde à fase da história em que Roma expandiu seu domínio sobre vastos territórios, aproximadamente entre o século I a.C. e o século V d.C. Nesse contexto, muitos cultos estrangeiros foram incorporados ao mundo romano, entre eles o de Ísis, cuja devoção se espalhou por todo o império, adaptando-se aos costumes e valores locais.




