MarteAproximadamente 4 min de leitura

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Marte é um símbolo que atravessa os séculos como um traço incandescente. Ele é ao mesmo tempo planeta, deus, metal e arquétipo. Em cada uma dessas formas, carrega consigo a energia bruta da ação, da coragem e do confronto com a realidade. Quando evocamos “Marte”, não estamos apenas falando de um corpo celeste vermelho no céu noturno, falamos de uma força viva que, desde as mais antigas civilizações, nomeia o impulso de avançar, lutar e transformar.

Na Roma Antiga, Marte era muito mais do que um deus guerreiro. Era também guardião dos campos e das sementes, uma figura que marcava a passagem entre a época das plantações e o momento de proteger o território. Não por acaso, o mês de março, que leva seu nome, abria o calendário romano. O tempo de retomar as campanhas militares e renovar a vida comunitária. Ele ocupava um lugar central nos rituais públicos e no imaginário político, representando ao mesmo tempo a espada que defende e a terra que floresce.

Quando olhamos para o seu equivalente grego, Ares, percebemos nuances interessantes. Ares representa a violência crua, a fúria dos combates e o gosto pelo conflito, uma figura muitas vezes temida e pouco cultuada. Marte, por sua vez, é mais ordenado, mais ligado à proteção da cidade e à afirmação da força legítima. A comparação revela algo essencial, o símbolo não é fixo. Ele se molda aos valores e às necessidades de cada cultura, assumindo feições distintas sem perder seu núcleo, a energia guerreira.

Esse núcleo aparece também em outras tradições. Na Mesopotâmia, Marte se confunde com Nergal, deus ligado à guerra, à peste e ao submundo. Na Índia, manifesta-se como Mangala, um dos Navagrahas, regente da coragem, da iniciativa e dos impulsos intensos. Na China tradicional, o planeta recebe o nome de Huoxing, “estrela do fogo”, inserido no sistema dos cinco elementos como a força ativa e potencialmente desestabilizadora. Apesar das diferenças culturais, todas essas imagens convergem num mesmo ponto, Marte é movimento, conflito, transformação.

A própria aparência do planeta reforçou essas associações. Sua coloração avermelhada, visível a olho nu, sempre evocou o sangue e as brasas, imagens inseparáveis da guerra e da paixão. Hoje sabemos que essa tonalidade vem do ferro oxidado presente na poeira marciana. Curiosamente, o ferro também foi, desde a Antiguidade, colocado sob o domínio simbólico de Marte. Na alquimia e na astrologia, Marte rege o ferro, metal das armas, das ferramentas e dos instrumentos de ação. O glifo1, usado para representar o planeta, o metal e até o princípio masculino, mostra um escudo com uma lança, um pequeno desenho que condensa séculos de significados.

A iconografia romana associava Marte a animais e objetos que prolongavam seu poder simbólico. A lança, o elmo e a couraça falam por si. O lobo, veloz e feroz, evoca a astúcia e a força coletiva, o pica-pau, curiosamente, era um animal sagrado ligado aos rituais agrícolas e augúrios, um lembrete de que o guerreiro também protege a fertilidade e a ordem social.

Na astrologia, Marte representa o princípio ativo, a forma como nos movemos, afirmamos desejos, enfrentamos obstáculos e canalizamos a energia vital. Quando equilibrado, é coragem, iniciativa e desejo de realização. Quando desmedido, torna-se agressividade, impulsividade e destruição. Por isso, tantas tradições o colocaram em rituais de passagem, bandeiras e metáforas ligadas ao fazer, porque Marte fala sobre atravessar limites e imprimir força no mundo.

Durante séculos, sistemas médicos e cosmológicos também traçaram correspondências entre Marte e o corpo humano: sangue, músculos, bile, órgãos ligados ao calor e ao movimento. Essas associações mostram que o símbolo não vive isolado, ele liga céu, terra e corpo num único tecido de significados.

No fim, Marte continua presente porque nomeia uma experiência humana fundamental, o impulso de agir. Ele representa tanto a faísca que inicia quanto a chama que devora. É o guardião dos limiares, aquele que nos empurra para o confronto, para o começo de algo novo. Entender Marte é compreender um pouco melhor a força que, dentro e fora de nós, decide quando é hora de avançar.

 

1 – Glifo: termo usado para designar um sinal gráfico ou símbolo com valor próprio. No contexto dos planetas e metais, os glifos eram usados desde a Antiguidade para representar corpos celestes, elementos alquímicos e princípios arquetípicos. O glifo de Marte (♂) mostra um círculo com uma seta para cima e à direita, interpretado tradicionalmente como um escudo com lança, e foi adotado também como símbolo do masculino.

Valter Cichini Jr:.

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