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No panteão egípcio, Rá não é apenas o deus do sol, ele é a força motriz por trás de toda a criação, o Neter (princípio divino) que se manifesta na luz, no calor e no ciclo ininterrupto do dia e da noite. Seu nome, que significa literalmente “Sol” ou “Deus Sol”, já revela sua essência, ele é a personificação do astro que sustenta a vida na Terra.

A simbologia de Rá está intrinsecamente ligada ao conceito de ordem (Ma’at) e ao poder criador. Segundo a cosmogonia de Heliópolis1, Rá emergiu das águas primordiais do Nun (o caos aquoso) e criou a si mesmo, dando origem a todos os outros deuses e ao universo ordenado. Essa auto-criação o estabelece como o Arquétipo do Criador, o ponto de partida de tudo o que existe, um símbolo da consciência que surge da inconsciência.

O simbolismo de Rá não se restringe a uma única imagem, mas se desdobra em diversas manifestações que refletem as fases do sol e, metaforicamente, as fases da vida e da consciência:

  • Khepri (Escaravelho), pela manhã, sendo o arquétipo do Sol nascente, a auto-regeneração, o potencial não manifestado;
  • Rá (Falcão com Disco Solar), ao meio dia, sendo o arquétipo do Sol em seu zênite, o poder máximo, a ordem estabelecida, a visão clara;
  • Atum (Homem idoso), a tarde e noite, sendo o arquétipo do Sol poente, a conclusão, o retorno à unidade, a sabedoria.

A representação mais comum de Rá é a de um homem com a cabeça de falcão, coroado pelo disco solar e o Uraeus (a serpente sagrada), simbolizando a realeza, a proteção e o domínio sobre o céu. O falcão, por voar mais alto, era o animal mais próximo do sol, representando a ascensão e a visão divina que tudo alcança.

Dois símbolos cruciais aprofundam a compreensão de Rá:

1 – O Olho de Rá (Udyat): Este símbolo de poder é frequentemente confundido com o Olho de Hórus, mas possui um simbolismo distinto. O Olho de Rá representa a onipotência do deus criador, sua força ativa e, em muitas narrativas, sua cólera e capacidade de punição. É a parte de Rá que se separa dele para agir no mundo, simbolizando a projeção da consciência e a energia feminina que protege e destrói. É um emblema de proteção, cura e totalidade.

2 – A Barca Solar (Mandjet e Mesektet): A jornada diária de Rá pelo céu em sua barca é talvez o símbolo mais poderoso do ciclo eterno da existência. Durante o dia, na barca Mandjet, ele navega pelo céu, trazendo luz e vida. À noite, na barca Mesektet, ele desce ao Duat (o submundo), onde trava uma batalha constante contra a serpente do caos, Apófis. Este ciclo simboliza a morte e o renascimento diários, a luta da ordem contra o caos e a jornada da alma após a morte, garantindo que o sol sempre retorne. É a promessa de que a luz sempre vencerá a escuridão.

Embora Rá seja uma divindade egípcia, seu simbolismo transcende fronteiras culturais, pois ele encarna o arquétipo solar, presente em quase todas as civilizações: Apolo na Grécia, Sol Invictus em Roma, Hélios, e até mesmo a figura do Sol como fonte de iluminação espiritual em diversas tradições.

Rá nos ensina que a vida é uma jornada cíclica (o nascimento, o auge, o declínio e o renascimento), que a consciência (a luz) deve constantemente lutar contra o caos (a escuridão) e que a energia criadora está sempre disponível para aqueles que buscam a ordem e a visão clara (o falcão). Em um mundo moderno, o simbolismo de Rá continua a ressoar como um lembrete da força vital que nos anima e da promessa de renovação que cada novo amanhecer carrega. Os símbolos são, afinal, a linguagem da alma, e Rá é a palavra mais brilhante desse vocabulário.

 

1 – Cosmogonia de Heliópolis é uma das principais narrativas da criação do mundo no Antigo Egito, originária da cidade de Heliópolis (a “Cidade do Sol”). Segundo esta versão, o deus solar Rá (Atum) emergiu do oceano primordial (Nun) e criou a primeira Enéade (grupo de nove deuses): Shu (ar) e Tefnut (umidade), que por sua vez geraram Geb (terra) e Nut (céu), pais de Osíris, Ísis, Set e Néftis. Esta cosmogonia estabelece Rá como o criador supremo e a fonte de toda a vida ordenada.

Valter Cichini Jr:.

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