ShivaAproximadamente 3 min de leitura

ShivaAproximadamente 3 min de leitura

Leia o artigo

Entre os muitos rostos do sagrado na tradição hindu, poucos são tão ricos em significado quanto Shiva. Seu nome ecoa como um sopro ancestral: “o auspicioso”, “o benevolente”, mas também “o terrível”. Shiva é, ao mesmo tempo, destruidor e criador, um paradoxo vivo que escapa às categorias fixas. Para compreendê-lo, é preciso olhar para além das aparências, adentrando a linguagem profunda dos símbolos que habitam sua imagem.

Shiva não destrói por crueldade. Ele destrói para abrir espaço. Em sua essência simbólica, ele representa o fim das ilusões, dos ciclos esgotados, dos padrões que já não servem. Sua dança cósmica, o Tandava, é ao mesmo tempo um colapso e um renascimento. Com um pé ele pisa no demônio da ignorância — Apasmara, a amnésia espiritual, enquanto o outro se ergue, sinalizando libertação. É nessa dança que ele dissolve o universo, para que outro possa surgir.

Em dicionários de símbolos, Shiva aparece com múltiplas camadas. Ele é o fogo que consome e purifica, mas também o silêncio que resta depois do som. Seu cabelo emaranhado guarda o rio Ganges, que flui da eternidade. Ele é o asceta, nu e coberto de cinzas, símbolo da renúncia ao mundo material, mas também o amante de Parvati, com quem gera vida. Shiva carrega o trishula, o tridente de três pontas, representando os três tempos (passado, presente e futuro), as três qualidades da matéria (sattva, rajas, tamas) e os três aspectos do mundo: criação, preservação e destruição.

Sua morada é o monte Kailash, no coração do Himalaia, não apenas um lugar físico, mas um arquétipo do centro espiritual do mundo. Ali, em meditação profunda, Shiva revela o valor do silêncio interior como caminho para o autoconhecimento.

Seu terceiro olho, fechado na maior parte do tempo, se abre para consumir o que não é verdadeiro. Não se trata de um olho que vê o mundo, mas que percebe sua essência, queima o falso e ilumina a realidade última. Ele também traz em volta do pescoço uma serpente, símbolo da energia vital (kundalini), da renovação perpétua e da vigilância.

O tambor damaru, em sua mão direita, emite o som primordial — Om — que deu origem ao universo. É um som que pulsa como o coração do cosmos. Assim, mesmo no gesto da destruição, Shiva já prepara a semente do novo.

Shiva nos ensina que tudo na vida é impermanente. Que cada fim traz em si a possibilidade de recomeço. Que a verdadeira destruição é aquela que nos liberta das amarras da ignorância e do ego. Ele é símbolo da morte simbólica do que fomos, para que possamos ser o que verdadeiramente somos.

Encontrá-lo é aceitar o desafio da transformação. É deixar cair as máscaras. É ouvir o silêncio entre os pensamentos e dançar com coragem no ritmo da mudança. Shiva não pede devoção cega, ele exige consciência desperta.

Seus símbolos falam mais do que palavras, cada detalhe é um convite a mergulhar no mistério que somos. Ao fim, Shiva não é apenas um deus indiano. É um espelho do ciclo eterno que habita cada ser vivo — nascer, crescer, morrer e renascer, infinitamente.

Valter Cichini Jr:.

Page Reader Press Enter to Read Page Content Out Loud Press Enter to Pause or Restart Reading Page Content Out Loud Press Enter to Stop Reading Page Content Out Loud Screen Reader Support