VishnuAproximadamente 4 min de leitura

Entre os muitos rostos do divino na tradição hindu, Vishnu ocupa um lugar de centralidade sutil e profunda. Ele não é o criador, nem o destruidor, é aquele que preserva. E nisso reside seu poder simbólico. Vishnu é o eixo silencioso que mantém o mundo girando. Sua imagem fala de equilíbrio, permanência e sustentação da ordem universal, o dharma1.
No simbolismo tradicional, Vishnu é o arquétipo da estabilidade. Ele aparece sempre como aquele que intervém quando a ordem do mundo está ameaçada, tomando forma humana ou semidivina em seus avatares, os mais conhecidos sendo Rama e Krishna. Cada avatar é um símbolo vivo da ação compassiva do divino que desce ao mundo para restaurar a harmonia.
Seu nome, Vishnu, deriva da raiz sânscrita vish, que significa “penetrar” ou “estar presente em tudo”. Isso já indica que ele não é apenas uma figura externa: Vishnu é presença imanente, é o espírito que sustenta a vida em cada ser. Ele não apenas observa, ele participa. Por isso, em várias representações iconográficas, ele é mostrado com quatro braços segurando objetos simbólicos: a concha (shankha), o disco (chakra), o bastão (gada) e a flor de lótus (padma).
A concha representa o som primordial, o Om, que vibra no início da criação, é o sopro da vida. O disco, ou chakra, é a roda do tempo e da justiça divina, que gira sem cessar e pune o mal. O bastão representa a força, mas não uma força bruta ou violenta, trata-se do poder da consciência, da sabedoria espiritual que protege e guia. É a energia ativa do conhecimento aplicado com justiça. Assim como o cetro nas mãos de reis representa a autoridade legítima, a maça de Vishnu simboliza a força da sabedoria espiritual, que protege e orienta. Já a flor de lótus é um símbolo de pureza, renovação e transcendência, ela nasce na lama, mas floresce à luz.
Nas tradições mitológicas e cosmológicas da Índia, Vishnu repousa sobre as águas primordiais, deitado sobre a serpente cósmica Shesha. Ele dorme, mas seu sono não é de inércia, é um repouso fecundo, uma pausa entre os ciclos do universo. Da sua respiração nasce o mundo, e é dele que brota Brahma, o criador. Isso mostra que Vishnu, mesmo não sendo o criador direto, é a fonte da criação.
Em seu aspecto simbólico mais profundo, Vishnu representa a confiança de que, mesmo em meio ao caos, há algo que sustenta, que não se rompe. Ele é o guardião da continuidade, o princípio da preservação que atua em todos os planos: no cosmo, na natureza, no coração humano.
Para os devotos, Vishnu é a certeza de que o bem não será esquecido, de que existe justiça acima da aparência das coisas. Seus avatares não são apenas figuras religiosas, mas expressões vivas da esperança de que o divino se faz presente, não para julgar, mas para resgatar.
Assim, o símbolo de Vishnu nos convida a confiar: mesmo quando tudo parece ruir, existe uma força silenciosa e firme que sustenta o mundo – e essa força habita também dentro de nós. Vishnu é o símbolo da fidelidade ao bem, da paciência ativa, da permanência que não se opõe à mudança, mas a orienta.
Como todo símbolo vivo, Vishnu não se esgota numa imagem ou num conceito. Ele pulsa como uma presença que atravessa as culturas, os tempos e os corações. Ele é, enfim, o eterno guardião do equilíbrio.
1 – Originário da tradição védica, o termo designa a lei, o caminho, o dever, não como imposição externa, mas como escuta profunda da vocação do ser. Ele não é um código moral fixo, mas uma estrutura fluida que aponta para o lugar onde a existência adquire sentido ético, ético no sentido que o ponto em que o sujeito se responsabiliza por sua posição no desejo.